Mais do que um direito, o voto nas eleições autárquicas representa um instrumento de integração plena dos imigrantes nas comunidades locais portuguesas.
Entre a residência e a pertença: o papel da cidadania local
A presença de cidadãos estrangeiros em Portugal tornou-se, há muito, um elemento estrutural da realidade social, económica e demográfica do país. No entanto, a integração plena destes indivíduos não se esgota na titularidade de uma autorização de residência ou no cumprimento de requisitos legais de permanência. A verdadeira inclusão passa, também, pelo reconhecimento do seu papel enquanto membros ativos das comunidades onde vivem, trabalham, estudam e criam os seus filhos.
O direito de voto nas eleições autárquicas, previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP) e na Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, assume-se como uma ferramenta fundamental de participação cívica, permitindo que o imigrante deixe de ser mero destinatário das políticas públicas locais para passar a ser agente direto na sua construção.
O que prevê a lei portuguesa sobre o voto de cidadãos estrangeiros?
Nos termos do artigo 15.º, n.º 4 da CRP, a lei pode atribuir direitos políticos a cidadãos estrangeiros com residência legal em Portugal, com base na reciprocidade. Com base nesse dispositivo, o artigo 4.º da Lei n.º 1/2001, de 14 de agosto, estabelece as condições de inscrição no recenseamento eleitoral para cidadãos de países terceiros, prevendo que poderão exercer o direito de voto nas autárquicas os nacionais de países com os quais existam acordos bilaterais ou situações de reciprocidade reconhecida.
É o caso, por exemplo, de cidadãos nacionais do Brasil, Cabo Verde, Argentina, Uruguai, Venezuela, Chile, Colômbia, Islândia, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido. A regra geral exige residência legal há pelo menos dois anos em território nacional, à data do pedido de inscrição.
Para os brasileiros, a situação é particularmente privilegiada: ao abrigo do Tratado de Porto Seguro e do Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres, é reconhecido o direito ao sufrágio em igualdade de condições com os cidadãos portugueses, podendo inclusive ser eleitos para cargos autárquicos.
O significado concreto da participação autárquica
Ao contrário do que sucede nas eleições legislativas ou presidenciais, o voto nas eleições autárquicas permite decidir sobre questões do quotidiano, como os transportes públicos, os serviços de saúde locais, o funcionamento das escolas, a recolha de resíduos, a habitação social, os espaços verdes ou os equipamentos culturais. São decisões de proximidade que influenciam diretamente a vida de todos os residentes, nacionais ou estrangeiros.
Permitir o voto ao imigrante nestas matérias é reconhecê-lo como parte integrante da comunidade. Negar-lhe o acesso à participação ativa é perpetuar uma visão assistencialista da imigração, que tolera a presença mas desvaloriza a pertença.
A falha de comunicação institucional: um défice democrático invisível
Apesar do enquadramento jurídico claro, o que se verifica na prática é um silêncio institucional preocupante. Não existem campanhas informativas consistentes por parte das autarquias ou do Estado central, os prazos legais para o recenseamento passam despercebidos, e muitos cidadãos estrangeiros desconhecem, por completo, que detêm este direito.
O prazo para inscrição no recenseamento eleitoral para efeitos de participação nas autárquicas de 2025 terminou no dia 12 de agosto, sem que se verificasse uma mobilização informativa relevante por parte das entidades competentes. Esta ausência de divulgação configura, na prática, uma barreira ao exercício de um direito constitucionalmente tutelado, prejudicando a efetividade da participação democrática.
Conclusão: por uma integração plena e consciente
Num contexto europeu marcado pelo crescimento de discursos xenófobos e tendências de exclusão, urge reafirmar a centralidade da democracia participativa como antídoto contra a desinformação e o preconceito.
Permitir, promover e proteger o direito de voto dos imigrantes nas eleições autárquicas não é apenas uma opção política: é uma exigência constitucional, um imperativo de justiça social e um passo essencial para uma sociedade mais coesa, plural e inclusiva.
Porque uma sociedade verdadeiramente próspera é aquela que acolhe e valoriza quem ajuda a construí-la.




