Apesar do chumbo à nova lei, a principal norma que facilita a residência de cidadãos da CPLP não foi analisada pelo Tribunal Constitucional e pode ser alterada a qualquer momento.
Imigração em Portugal: quando a realidade desafia a promessa
Nos últimos meses, milhares de trabalhadores estrangeiros, muitos deles brasileiros, vivem sob um clima de incerteza sobre a possibilidade de regularizar a sua situação em Portugal.
A proposta de alteração à Lei de Estrangeiros, aprovada no Parlamento e enviada ao Tribunal Constitucional, apanhou muitos de surpresa, especialmente os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que representam uma parte significativa da imigração no país.
Esse espanto é compreensível. Afinal, são precisamente esses imigrantes que mais têm contribuído para manter viva a economia e equilibrar a demografia de Portugal, um país que historicamente vê muitos dos seus próprios cidadãos partirem em busca de oportunidades no exterior.
Mas, se contribuem tanto, por que enfrentam tantas barreiras?
A realidade é dura: muitos trabalham de domingo a domingo, sustentam famílias tanto em Portugal como nos países de origem e, mesmo após anos de contribuição ativa, continuam presos numa teia burocrática que atrasa ou impede a regularização. E a verdade é clara: Portugal não se preparou para a imigração que tanto buscou.
Desde trabalhadores altamente qualificados até funções essenciais, os mecanismos para viver e trabalhar com dignidade continuam lentos e ineficazes. Um exemplo: a emissão do NISS (Número de Identificação da Segurança Social) que pode demorar semanas ou meses, tempo suficiente para perder uma oportunidade de emprego.
O que estava em causa e como o Tribunal decidiu
O Governo justificou as mudanças como forma de “organizar os fluxos migratórios”, mas o texto aprovado trazia medidas que, na prática, restringiam direitos fundamentais.
Entre as alterações mais problemáticas estavam:
- Exigir dois anos de residência legal antes de solicitar reagrupamento familiar.
- Limitar o reagrupamento a filhos menores já em território nacional.
- Aumentar para nove meses (prorrogáveis) o prazo de decisão sobre pedidos de reagrupamento.
- Restringir o acesso a recursos urgentes para proteção de direitos fundamentais apenas a casos com efeitos “graves, diretos e irreversíveis”.
- Criar desigualdades, favorecendo determinados vistos e trabalhadores “altamente qualificados” em detrimento de outros.
Reconhecendo os riscos constitucionais, o Presidente da República enviou o diploma para fiscalização preventiva.
O Tribunal Constitucional travou a maioria das medidas, por violarem:
- O direito à igualdade e não discriminação (Art. 13.º da CRP).
- A proteção da família (Art. 36.º).
- A tutela jurisdicional efetiva (Art. 20.º).
- A segurança jurídica (Art. 2.º).
Com isso, o Presidente vetou o diploma e devolveu-o ao Parlamento.
O ponto crítico: artigo 87.º-A fora da análise
O Tribunal só avaliou os pontos indicados no pedido presidencial. Isso significa que o artigo 87.º-A, criado em 2022 e que permite a autorização de residência simplificada para cidadãos da CPLP, ficou de fora.
Essa regra tem sido a principal via de legalização para milhares de brasileiros, mas pode ser alterada ou revogada por maioria simples no Parlamento, sem precisar passar novamente pelo Tribunal Constitucional.
O risco é real: basta uma votação para que milhares percam a forma mais acessível de obter residência.
O que muda (ou não) para os imigrantes agora
Com o chumbo do Tribunal Constitucional, mantém-se em vigor regras mais equilibradas da Lei n.º 23/2007, como:
- Prazos mais curtos para processos administrativos.
- Menos restrições no reagrupamento familiar.
- Garantia de acesso efetivo aos tribunais administrativos para defesa de direitos fundamentais.
Mas nada garante que este cenário se mantenha. O Governo já anunciou que vai apresentar alterações, possivelmente de forma “mais cuidadosa” para evitar nova reprovação, e as mudanças no artigo 87.º-A que não foram objeto de análise pelo Tribunal Constitucional poderão mesmo avançar.
Conclusão: é tempo de vigilância, não de alívio
A decisão do Tribunal foi uma vitória importante, mas parcial. O sistema continua lento, desigual e sujeito a mudanças políticas.
A legalização de quem vive e trabalha em Portugal não pode depender de decisões instáveis ou interesses partidários. É preciso criar regras claras, estáveis e justas que respeitem o valor humano e social dos imigrantes.Enquanto isso, a atenção deve ser redobrada.
Na News Life Style, vamos continuar a acompanhar cada mudança e a informar de forma clara e acessível quem mais precisa de saber.
Autores:
Monisa Neves

e Robson Amaral
