O novo debate sobre quem tem direito a ser português
A nacionalidade portuguesa sempre esteve no centro do debate sobre imigração e integração. Ao longo das últimas décadas, as leis têm evoluído de acordo com as transformações sociais, políticas e demográficas do país.
Agora, com as novas propostas para 2025, surge novamente uma pergunta crucial:
O que realmente vai mudar no acesso à nacionalidade portuguesa?
Como era a lei até 2016
Durante muitos anos, o acesso à nacionalidade portuguesa foi um processo restrito e burocrático — especialmente para os filhos de estrangeiros nascidos em território nacional.
Na prática:
- Uma criança nascida em Portugal só tinha direito à nacionalidade automática se os pais fossem residentes legais há pelo menos 5 anos;
- Para estrangeiros adultos, a naturalização exigia 6 anos de residência legal, além do domínio da língua portuguesa e registo criminal limpo;
- Muitos jovens que nasceram e cresceram no país continuavam sem nacionalidade portuguesa, mesmo sem nunca terem vivido noutro local.
As mudanças até hoje: um caminho de abertura
A partir de 2018, Portugal deu sinais claros de abertura e integração:
- 2018: o tempo de residência dos pais passou a ser de 2 anos para que os filhos nascidos em Portugal tivessem direito à nacionalidade;
- 2020: a exigência foi reduzida para 1 ano de residência, independentemente do tipo de título;
- O tempo mínimo de residência para adultos baixou de 6 para 5 anos, tornando Portugal um dos países com regras mais inclusivas da União Europeia.
Hoje, o sistema é visto como um modelo de integração social, especialmente no que toca às crianças nascidas em território português.
O que está previsto para 2025
Em outubro de 2025, o Parlamento português voltará a discutir alterações à Lei da Nacionalidade, e as propostas levantam preocupação entre imigrantes e juristas.
Entre os principais pontos estão:
- Mudança na contagem do tempo de residência
- Atualmente, o período entre o pedido de manifestação de interesse junto ao SEF/AIMA e a emissão do título de residência é contabilizado.
- A proposta quer eliminar essa contagem, o que prejudicaria quem enfrenta longos atrasos burocráticos.
- Fim da nacionalidade automática para filhos de estrangeiros
- O objetivo é que crianças nascidas em Portugal só tenham direito à nacionalidade se os pais já tiverem título de residência válido.
- Risco para a “segunda geração”
- Jovens que chegaram pequenos a Portugal — ou que nasceram no país e ainda não solicitaram nacionalidade — podem ter direitos limitados com as novas regras.
Essas alterações são justificadas como resposta ao crescimento da imigração e à necessidade de “controlar os fluxos migratórios”, mas podem representar um retrocesso nos direitos de integração.
Ius Solis vs. Ius Sanguinis: a base do debate
A discussão sobre quem deve ser considerado português divide-se entre dois princípios clássicos do direito:
- Ius Solis (“direito do solo”) — a nacionalidade é atribuída a quem nasce no território, independentemente da origem dos pais;
- Ius Sanguinis (“direito de sangue”) — a nacionalidade é transmitida pelos pais, mesmo que a pessoa nasça fora de Portugal.
Historicamente, Portugal sempre valorizou o Ius Sanguinis, privilegiando os laços da diáspora.
No entanto, as mudanças recentes caminham para restringir também o Ius Solis, afastando o reconhecimento da nacionalidade a quem nasce e cresce no país, mas não tem ascendência portuguesa.
Conclusão: o desafio de equilibrar identidade e inclusão
De 2016 a 2025, Portugal percorreu um caminho notável de abertura e inclusão. As propostas em debate, no entanto, colocam em causa esse progresso e levantam uma questão fundamental:
Ser português é uma questão de sangue ou de pertença?
Se aprovadas, as alterações representarão um passo atrás na consolidação de Portugal como nação inclusiva e multicultural, reconhecendo apenas os laços de sangue e não os de vida, convivência e contribuição para o país.


